As epifanias na aurora outonal ou até onde pode ir a utilidade da negação

Durante esta semana fomos presenteados com o partilhar de epifanias de várias personalidades neste mundo delas desprovido.

Começámos com a epifania barrosista anunciada em Strasbourg: a necessidade de estarmos todos juntos para enfrentar os problemas, em grande parte causados pelo descontrolo do mundo financeiro. Tudo isto era previsível, poderá ser baptizada como a abordagem pinguim ao gelo invernal austral. Como se sabe funciona razoavelmente bem mas implica uma contínua movimentação em espiral de dentro para fora e de fora para dentro. O pequeno problema é que na Europa das formas generosas não se pode registar esta oscilação, coisa que o nosso Barroso ainda não compreendeu – provavelmente não será assim, já o apreendeu, mas como qualquer típico CEO de uma grande empresa, o cerne da dedicação não está na dita mas no próprio.

Barroso também não revelou – não se pode contar tudo – como gostaria de contribuir para remediar algumas graves disfunções da banca, apenas carpiu o seu desgosto pela incapacidade revelada pelos financeiros em aprender com os seus erros. Perdão, como, quais erros, se os prejuízos estão a ser pagos e os lucros são muito lustrosos enquanto que se adia convenientemente o fecho de alguns alçapões? Não se financiam a 1% junto do BCE para depois aplicar noutros locais, europeus ou não garantindo vistosos retornos? Enfim, uma epifania parcial, um modernismo do centro europeu.

A segunda epifania foi partilhada pela ex-ministra Ferreira Leite que nos contou que lhe parecia viver na defunta URSS. Mas a experiente senhora ainda não se tinha dado conta que vivemos em social-capitalismo, facílimo de confundir com o socialismo soviético? Ainda não se tinha apercebido que uma clique conseguiu capturar capital nos impostos pagos pela classe média e aplicar em projectos de risco sempre coberto por quem o financiou? A senhora ex-ministra ainda não se tinha apercebido que o regime de PPP já tem centúrias, milénios diria, apenas é agora mais usado do que nunca e aplaudido e fundamentado pela magnífica trupe dos neoliberais – os neoliberais do presente podem ser comparados aos senhores bispos do passado que promoviam a construção de magníficas catedrais, aos faraós que promoveram as pirâmides, aos reis que promoveram os Angkor espalhados pelo mundo tropical, não são todos magníficos? É certo que o potencial artístico de algumas das obras mais recentes é menor, por exemplo, qual a maravilha que poderá despertar nos vindouros alguém calcorrear sítios ondes antes se sentavam dezenas de consultores, que digo eu, advisors, ou pavilhões multi-usos? Enfim um carro de alta cilindrada será mais promissor, se fôr uma versão feliz dos diligentes fabricantes teutónicos.

No fundo, uma epifania duma grande pecadora, mas para ser mais de acordo com o padrão exigido falta-lhe mais evidência de arrependimento.

A terceira epifania foi partilhada pelo ministro Gaspar. Depois de a ter recusado há uma ano, finalmente recebeu no seu seio a revelação das maravilhas e potencialidades da manipulação da TSU, tirando a uns e redistribuindo ás empresas privadas e à empresa estatal. Embora se duvide sempre de uma epifania repetente num homem tão ponderado, ou seja alguém que não é dotado de inteligência fracturante como o seu primo mas é muito aplicado, ou melhor, parece ser.

A quarta epifania foi-nos revelada pelo representante do FMI, a redução salarial por si só não chegaria para reendireitar as finanças e a economia da Cacânea ocidental. Ainda bem que tal partilhou. Como já disse no passado, Sextus sofreu uma redução nos seus proventos de mais de 30%, viu os seus impostos directos subir outros 30% e os indirectos entre 5 a 10%. Já disso estava à espera, o que não imaginava era que que isso fosse compaginável com a redução do défice estatal de 8 para 6%, ou seja um quarto do que é necessário. O que lhe vale é ter ficado mais rico, ainda ontem soube que uma modesta propriedade sofreu uma valorização de 305%, de acordo com os técnicos municipais, a acompanhar a valorização de 80% noutro município. Como se sentiu mais afluente, abriu uma garrafa de vinho espumante. 

A quinta epifania é do próprio Sextus, um pirrónico: vivemos uma época interessante de defesa do poder, o império exerce-o em múltiplos tabuleiros a começar pela sua casa – o FED avançou com mais uma compra de hipotecas de 40 mil M de dólares mês, ou seja um resgaste luso de dois em dois meses. Não parece haver dúvidas, Obama representa de forma mais consistente a manutenção do mesmo que a alternativa.

Curioso, Marx sempre desconfiou do papel do lúmpen, na actualidade mais do que o aliado do mundo financeiro é o protótipo apontado para o futuro. Qual é a etapa seguinte da rebelião das massas de Ortega y Gasset, será necessário o colapso de toda a periferia para o remodelar do núcleo? Sabe o homem mais do que o pinguim?

Voltando à Cacânea ocidental: será o seu colapso como país periférico inevitável, iremos testemunhar que o condutor só sabe travar mas não sabe- não quer – virar o volante? Tem a história que cumprir todas as etapas ou os desvios são permitidos?

Percebeu o mundo financeiro que um sistema coerente levado ao seu último desenvolvimento leva sempre ao beco sem saída e que o mudar de sentido é sempre muito confuso?

As sociedades à beira do seu fim vivem sempre sem amanhã,  Sextus ainda não percebeu o potencial disruptivo dos neoliberais e dos neoconservadores, os revolucionários do presente, em colaboração com o deslumbre de parte da nova Ásia que quer proceder a um ajuste de contas com a história. O futuro mais favorável da Cacânea lusa estaria no prencher dum interstício no choque desses blocos. Se estes dois se unirem, não há futuro para ninguém, só a barbárie.

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