Encosta abaixo, alegremente, o duplipensar ainda não enegreceu, a novilíngua exalta sempre até ao fim e de qualquer modo Brassens já cantava “mourir pour des idées, d’accord mais de mort leeeente ” ou a humildade de lembrar que raramente, raramente, os catastrofistas vêm justo

É bem verdade que quando se erra no diagnóstico é quase impossível acertar no tratamento mas quando a manipulação é muito boa transforma-se um produto noutro muito diferente e sabe-se há muito que a pergunta que não tem resposta é o que é a verdade. Mais, o extraordinário avanço da novilíngua e do duplipensar torna a audácia quase algo ilimitado.

Também se sabe que não se aprende com o erro dos outros, nem sequer com os nossos – nem a Grécia aprendeu com os seus erros na aplicação inicial dos fundos europeus, nem a Alemanha aprendeu com os seus erros que a levaram a mendigar, com sucesso, o perdão da dívida da II guerra, tal como a Lusocacânia nada aprendeu desde 1985 – os primeiros ecos da aplicação do Portugal 2020 levantam os receios habituais.

Também se devia saber e muitos sabem-no que os modelos mais depurados nunca funcionam muito tempo, só os mais degenerados e amalgamados conseguem sobreviver mais tempo, a natureza, a vida são amigas da heterogeneidade, dos contrários – as formas de Platão constituem as entidades mais solitárias e frígidas produzidas pelo pensamento humano e apenas evoluem para as paixões, estados de alma, ou temporários ou patológicos. Dito isto, é bem verdade que as sopas mais complexas precisam de demoradas cocções e mexidelas e se estas forem mal feitas acabam por resultar num caldo que coalhará ao fim de pouco tempo.

A sobrevivência do projecto do euro constitui uma surpresa e um manancial para análise.

O euro é um projecto de revolucionários bem sucedidos embora o desenho contribua e muito para o sucesso. Tinha tudo para falhar, já falhou no fundo, mas sobrevive e isto distingue o revolucionário com sucesso daquele de insucesso – transformar o novo, o inesperado, o inacreditável, o inviável em evolução natural, inevitável, transformar a revolução em TINA (Tsipras manifestamente ainda não percebeu isto, realmente de revolucionário nada tem). O euro sobrevive porque conseguiu levar os estados para o alto mar e agora declarou que nunca trouxe botes salva-vidas.

O euro é uma construção audaciosa do sistema financeiro , o último passo antes da entrada no paraíso do capitalismo-socialista de Spengler, de lucros privados e prejuízos públicos e  transferiu totalmente o risco moral para os devedores e isentou-o na totalidade dos credores.

Historicamente sempre houve uma luta sangrenta e feroz à volta do risco moral mas o pano de fundo não muda demasiado, permanece nos devedores que são empurrados para a perda da propriedade, nalguns períodos da história, para a perda da individualidade, agora, para a abolição da autonomia. Também faz parte da história que a recuperação das perdas quando as há, são sempre desviadas mais para os credores desde que se cumpra a regra de os credores serem mais fortes.

Este pormenor, melhor esta condição absolutamente necessária, passa demasiadas vezes despercebida. Tudo o que se disse repousa nessa pré-condição do credor ser mais forte que o devedor. Exemplos clássicos contrários, os primeiros emprestadores judeus que acabavam sem a cabeça ou empurrados para o outro lado da fronteira. Exemplo oposto, os EUA os grandes devedores que impõe a sua vontade aos credores.

O ser forte, para além de permitir assumir a cobrança, a captura da propriedade do devedor ou até a sua escravatura, torna-o dotado de uma força centrípeta quando se redistribuem os recursos. Esta força centrípeta assegura que a periferia não escape porque quem ditas as regras todas passa a ser o centro – o sistema de empréstimo/endividamento é na verdade o carrasco anunciado do mito do livre comércio, a falácia mãos bem vendida pelo centro. Esta força centrípeta assegura que o centro disfrute de todas as vantagens do endividamento ao empurrar todos os perigos para a periferia. Claro que isto exige uma mistura bem doseada de incompetência/ignorância da periferia, afastada da informação privilegiada, compra e pagamento de capatazes após o afastamento/eliminação do que restou dos patrões da periferia – eles próprios com tendência para preferir a internacionalização sendo duques  à limitação e perigos do estatuto da realeza local – de modo que não é possível fugir ás regras estabelecidas. Uma vez feito o endividamento do centro nada mais resta á periferia senão fazer o mesmo – o mito das contas equilibradas com o par franco-germânico perpetuamente fora dele é o maior mito que a o duplipensar conseguiu inculcar.

Se olharmos para outros continentes observamos esse crescer de dívida generalizado. A moral falaciosa de censura a quem quer mais do que aquilo que pode, foi muito bem construída – como é que uma empresa da periferia pode competir se não tiver também um grau importante de endividamento? No centro o capital próprio anda á volta dos 25 a 40%, tudo o resto é dívida contraída a juros mais favoráveis,  na periferia descapitalizada o capital próprio não pode deixar de ser menor e muitas vezes desce para o patamar á volta dos 10%, convenientemente fraco para uma fácil destruição. Esta regra do centro, o endividamento, é o seguro de vida para o seu predomínio. No sistema financeiro a arte foi mais desenvolvida, pudera, o centro absoluto, com capitais próprios entre 3 e 4% – mesmo Basileia III não sobe para 8%, outra mentirazita bem urdida e de qualquer modo esses 8% são suficientes para assegurar que o risco moral nunca será invocado ao mesmo tempo que assegura o controlo, tornando possível comprar vários cães com o pelo dos ditos.

Mas  a falácia mais importante não deriva da dívida mas sim do emprego, ou as famosas reformas estruturais como promotores do emprego. Como se irá ver no futuro, a médio prazo, as reformas estruturais, o eufemismo da baixa dos salários não cria emprego, diminui-o por várias razões, sendo a principal a lentificação da velocidade do dinheiro, algo que Friedman não previu e que originou o falhanço da sua teoria económica, ao ser comprovado que a massa monetária de per si não controla os preços, é preciso ter em conta a velocidade de circulação. Ao tirar ao salário cada vez mais a porção do bolo a velocidade fatalmente diminui. Mais determinante, com a acumulação extraordinária de dívida a irrelevância, o excedente de massa humana torna-se insustentável agora que não há impérios para exportar, pelo contrário são os desgraçados das ex-colónias que fogem das suas terras, sem nada para fazer para além de morrer ao serviço dos capatazes da guerra.

Aquilo que vamos testar é qual o nível de empobrecimento e de desemprego compagináveis com a actual duração da vida humana, com a lentidão da morte e com a descrença espelhada na baixa taxa de natalidade.

Aquilo que se vai testar é qual o grau de estupidificação, de infantilização e de corrupção que podem ser compatíveis com a liberdade humana, qual é o ponto da reversibilidade última.

Aquilo que já se percebeu é que o modelo da democracia representativa morreu de morte natural ao fim de poucas gerações. A corrupção que a distância potencia tornou-se, mais do geradora de perdas importantes, no maior factor destrutivo da sociedade – será a última ironia desta fase da história, a comprovação da existência de algo porque se destrói e se nota a ausência. Aquilo que ainda não adivinhamos é qual o resultado da governação por capatazes apenas, já que os donos ou morreram ou já não querem aparecer – o factor decisivo não é a justiça, a natureza e as sociedades não são justas, é a sua sustentabilidade.

Até quando a subsidiariedade vai continuar a enganar os optimistas? Quando é que o pensamento de que não há  maior bondade do que independência e liberdade, que a complexidade que tudo justifica é filha da novilíngua e sobrinha da corrupção que ninguém é melhor servido do que por si próprio se tornam evidentes por si próprios, como diriam os fundadores dos EUA.

Quando é que os verdadeiros revolucionários que nos vêm governando  vão ser expostos, a sua audácia e loucura exibidas e logo afastados. Se é possível descer, descer, descer, retroceder até á mais avançada infantilidade e saír do buraco, é algo que não sabemos, nunca antecipamos quando os catastrofistas têm razão porque só raramente a têm, mas lembrem-se que como tudo, nem sempre estão errados. Tudo se cansa, tudo se apaga.

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