A grécia inventou a democracia, a europa central o processo e o castelo, os anglo-saxónicos o “as if”, os burocratas a imbecilidade activa, os finaceiros a corda para os enforcamentos, leiam Swift que é bem bom

Provavelmente, mas está longe de ser certo, iniciamos uma das grandes curvas da história, lenta a negociar, cega sem deixar ver o que vem a seguir – nem houve fim da história, mas o historicismo está morto.

O referendo da Grécia marca mais uma das etapas do fim do regime representativo, pelo menos nesta versão. Os exemplos acumulam-se sobre as más opções que são tomadas nas alturas mais decisivas das escolhas, certamente sempre contrariadas pelos incumbentes que, satisfeitos, proclamam a bondade de terem sido escolhidos. A maior parte das vezes nem de escolhas se trata, como ontem aconteceu, a não ser da última vontade de fazer uma careta aos palhaços ricos do centro antes da queda habitual do palhaço pobre.

A escolha é quase sempre fatalmente viciada pela manipulação das alternativas, sempre trabalhadas e desfiguradas por quem pode controlar, pelo menos parcialmente.

Não é fácil saber se ontem a fundamentação do resultado era robusta ou não. Aparentemente sim, votar não com os bancos fechados é próprio do desespero, da mesma magnitude dos irlandeses de Swift aconselhados a comer os filhos. Mais tradicionalmente, qualquer livro de histórias antigas relata a saída habitual dos miseráveis endividados e desempregados, a venda dos filhos, a prostituição das mulheres e talvez os gregos sintam que estão no limiar desse estado.

Até se compreende o resultado porque outro seria de certo modo ratificar o delírio e gatunagem dos últimos trinta anos na Grécia. Esse é , aliás, o risco que corre a velha Europa nos próximos tempos, a confrontação com a ratificação da trupe enorme de capatazes vendedores da banha da cobra, vendedores da segurança nacional ao endividarem todo um país e obviamente incapazes de rapidamente varrerem para debaixo do chão toda a porcaria acumulada nestes trinta anos.

É curioso que a queda de um regime inviável e ameaçador como os regimes comunistas se tenha seguido pela instauração de regimes cleptocráticos e desvairados. Muitas vezes os vitoriosos sabem como infligir a sua perda por demasiada ambição, nunca leram a arte da guerra. Enfim, deslumbraram-se.

Estes capatazes esperam sempre escapar ao chicote e ao pontapé da história mas nada está perdido, o que é preciso é resiliência, ah que grande palavra da treta gesto-económica, verdadeiramente a “dismal science”.

As sociedades vão perfurar, pressionar, encolher até encontrar uma saída. Até lá vai haver muita destruição. A duração deste tempo será de uma a duas gerações, tempo suficiente para o desaparecimento de alguns povos, fugitivos das agruras das periferias para as frialdades dos centros.

Nunca foi possível arranjar emprego para toda a gente, sempre houve muita dívida, mas agora há algumas diferenças, as três principais é que se morre devagar – ou pelo menos era assim até agora – muito devagar, procria-se pouco, muito pouco e a dimensão da dívida é muito grande, assustadoramente grande ao levar em conta que cresceu já no meio de um ambiente de altas extorsões / impostos. Como é que os capatazes conseguem retirar o dinheiro suficiente para azular parte dos grandes vermelhos dos livros? Vai ser muito difícil, muito difícil, mais ainda porque esses capatazes promoveram a glorificação dos mercados e do crescimento e ajudaram ao enterro dos contextos, os grandes limitantes, em todos os sentidos das sociedades. Uma sociedade sem contexto é mais livre para ser desenvolvida e espremida, é mais vulnerável perante a contracção. Como justificar sem exibir força  uma extorsão elevada numa sociedade a activamente a destruir o contexto – verdadeiramente, se “there is no such thing as society” porque é que pago impostos para além da manutenção da polícia e do exército, para pagar despesas que outros assumiram, para voltar a ir aos mercados, mas eu não quero ir aos mercados para nada, “só por cima do meu cadáver”.

Pior, os capatazes não perceberam que o modelo de desenvolvimento global que escolheram só é viável com uma das duas saídas, uma estupidificação em massa e profunda – mas como vender banha da cobra a débeis, a compra da mesma pressupõe uma ambição acima desse nível seguro de estupidez – ou uma sociedade oriental onde o conceito de vida seja um interminável jogo onde os contrários não são percebidos como verdadeiramente diferentes, algo muito longe da vivência da metade ocidental do mundo.

A representatividade falhou porque tinha de falhar, muitos tinham verificado isso, desde Platão até ao amaldiçoado Nietzche. Os anglo-saxónicos tinham conseguido lidar com este falhanço com a forma hábil do “as if”. Mas tudo tem um prazo de validade, algo tem de morrer mesmo para renascer de forma um pouquito diferente.

A crise da representação tem no entanto um efeito com grande potencialidade, a humildade. Se não é verdade que a representação possa continuar a fundamentar-se na complexidade da administração, talvez a única ingenuidade de Tocqueville e a sua metodologia de escolha é demasiado vulnerável á manipulação e caciquismo com a quase inevitável escolha dos piores entre os piores – a elite dos capatazes europeus é absolutamente assustadora – a humildade advirá da apreensão que não temos equipamentos para grandes planeamentos ou legislações, regressemos ao nível mais humano da administração mais local, mas com verdadeira autonomia, não aquela que os bruxelenses sonharam para o seu total domínio, as regiões como caixas postais das suas deliberações.

Como a biologia nos ensina, a imagem que Sextus mais aprecia, a riqueza dos genes só foi possível pela individualização das células e mesmo da compartimentalização dentro das células, ou o exemplo da fisiologia, a comunicação entre células faz-se de formas passiva, activa e facilitada, sempre com portões.

Até lá, queimemo-nos no grande magma enlouquecido, disfrutemos do último “as if”.

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  1. Sextus Gerardo Oliveira diz:

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